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Mão na massa. Enquanto o mundo busca mais e mais formas de combater o novo coronavírus, o esporte a motor não passa ileso dessas iniciativas. Além de contribuições financeiras, também teve gente que botou a mão na massa e partiu para a ação. Testemunha ocular

(29/04/2020) grandepremium.grandepremio.com “Mão na massa. Enquanto o mundo busca mais e mais formas de combater o novo coronavírus, o esporte a motor não passa ileso dessas iniciativas. Além de contribuições financeiras, também teve gente que botou a mão na massa e partiu para a ação. Testemunha ocular” by Juliana Tesser.

Diretor da Clinica Mobile da MotoGP, Michele Zasa está trabalhando na linha de frente no combate ao novo coronavírus na Itália. Apesar do volume de trabalho, o médico tem dedicado algum tempo para conceder entrevistas e alertar a população.

Entre um plantão e outro, Zasa atendeu ao GRANDE PREMIUM e deu seu relato sobre a situação. Na Itália, já são mais de 195 mil casos de Covid-19, com mais de 26 mil mortos.

“Tem sido difícil, não preciso nem dizer, já que, como muitos outros médicos, tenho vivenciado coisas terríveis no último mês e meio”, conta Zasa. “Trabalho em veículos de resposta rápida para o serviço de emergência pré-hospitalar local, atendendo os pacientes mais críticos. Agora a situação parece ser um pouco melhor aqui na Itália. Vamos torcer para o pior já ter passado”, segue.

O trabalho no serviço de emergência, porém, não é uma novidade para Michele.

“Isso é o que eu normalmente faço quando estou fora do paddock. Eu trabalho para o serviço de emergência pré-hospitalar da minha cidade e sou anestesista em um centro médico privado. Claro, estando em casa por causa da pausa forçada da MotoGP, me envolvi mais com o serviço de emergência, fazendo muito mais turnos do que normalmente faço”, conta. 

Questionado pelo GP* se entende que algo foi feito errado na Itália para que a situação chegasse ao ponto que chegou, o médico evita apontar o dedo e explica que só o tempo vai dar a imagem real das coisas.

“Prefiro não julgar, uma vez que já têm muitas pessoas julgando e, normalmente, sequer são médicos. Com certeza, no início os políticos pareciam com medo de parar a economia e talvez tenham esperado demais. Eles não consideraram que uma pausa imediata talvez nos permitisse ter menos mortes e um retorno mais rápido a algum tipo de “normalidade”, também em termos econômicos. No entanto, essa realmente foi uma situação nova para todo mundo e nós só poderemos julgar o que aconteceu em alguns anos, quando todos os dados estiverem disponíveis”, pondera.

Conforme os números de casos foram crescendo na Itália, Zasa declarou seguidas vezes que se tratava de uma guerra.

“Essa foi a minha impressão. Muitos chamados, rodando sem parar de um paciente para o outro, como em um campo de batalhas. Vi muitas pessoas com necessidades, muitas pessoas morrendo em casa. No hospital, vi muitas camas alinhadas, com pacientes muito doentes morrendo sozinhos. Foram cenas fortes, que vão ficar para sempre na minha mente”, relata.

Ao ser perguntado sobre como a população em geral pode ajudar os profissionais de saúde nesta guerra, Michele foi claro: “Só pediram que as pessoas seguissem algumas regras simples, como ficar em casa, manter o distanciamento social e usar máscaras cirúrgicas apropriadas. Essas medidas são realmente importantes e foram adotadas na Itália e ao redor do mundo. No entanto, é incrível ver quantas pessoas, inclusive muitos idosos, que correm mais risco em caso de infecção, estão ignorando essas regras simples. Isso é uma total falta de respeito com a sociedade da qual fazem parte e com todos os profissionais de saúde que se sacrificam ― alguns deles morreram”.

No Brasil, apesar de o cenário mundial indicar o contrário, as informações acabaram por ser conflitantes. Enquanto muitos governadores adotaram o isolamento social e tentam reforçar o SUS (Sistema Único de Saúde), o presidente Jair Bolsonaro fala em “gripezinha” e acredita que não teria grandes problemas com a Covid-19 por conta de seu “histórico de atleta”.

“Eu discordo totalmente”, rebate Zasa. “O primeiro caso na Itália foi um jovem, um esportista muito ativo. Subestimar esse vírus, especialmente agora que temos tantas informações sobre seu potencial, é muito perigoso. Pense no que aconteceu com o primeiro-ministro do Reino Unido, que subestimou o vírus e eventualmente foi internado na UTI ― felizmente, ele agora está se recuperando. O vírus pode infectar todo mundo, e acho que ninguém pode negar essa evidência”, defende. 

“Em relação às consequências mais sérias, você não precisa ser um cientista para entender que pessoas com mais de 60 anos e com comorbidades correm mais riscos. No entanto, embora algumas classes da população tenham um risco maior, ninguém está a salvo, já que pessoas de todas as idades acabaram no hospital e na UTI, e algumas morreram”, alerta.

Apesar de o esporte passar longe de ser uma prioridade no momento, Zasa torce pelo início da MotoGP. Afinal, isso significaria alguma normalidade.

“Vai depender de como a pandemia evoluir ao redor do mundo e de como os governos locais vão reagir. Se tivermos sorte, acho que podemos recomeçar em agosto/setembro, tomando precauções. No entanto, para uma estimativa mais realista, nós precisamos esperar e ver como a situação evolui. Os pilotos estão ansiosos para isso, assim como todos nós, pois isso representaria um retorno parcial à normalidade”, comenta.

Indagado se acredita que o mundo será um lugar diferente passada a pandemia, Michele responde: “Quem sabe… Espero que seja diferente de uma maneira positiva, que as pessoas sejam mais responsáveis, que os governos entendam a importância dos sistemas de saúde, que os países contribuam para construir um mundo melhor. Mas e se nada mudar depois de uma tragédia como essas? Se esse for o caso, isso significa que não existe esperança para o nosso futuro”.

Por fim, o médico deixou claro que ficará com as imagens da pandemia gravadas eternamente na memória e lançou um alerta final à população.

“Tenho imagens na minha mente, mas elas são bem assustadoras e não tem necessidade de compartilhá-las com outras pessoas. Quando for possível, vou apenas tentar voltar à normalidade, passar tempo com os meus amigos e família, e não pensar nesses horrores. No fim das contas, isso é o que os médicos (e profissionais da saúde, em geral) sempre fizeram: encarar a morte, segurar as mãos do paciente, superar a frustração e o fracasso, e recomeçar com novos desafios tentando não olhar muito para trás”, fala. “Mais uma vez, não subestime o perigo, fique em casa, adote o distanciamento social, use máscaras cirúrgicas adequadamente quando não estiver em casa. É simples assim. Mas pode realmente fazer a diferença”, encerra.

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